Os contos de fadas a partir da psicologia analítica
Para Jung, os seres humanos nascem não apenas com
uma herança biológica, mas também com uma herança psicológica. Ambas são
determinantes essenciais do comportamento e da postura do indivíduo frente à
vida. Assim, a criança já nasce com uma espécie de “estrutura” que molda e
canaliza todo seu desenvolvimento e interação com o ambiente.
Essa herança psicológica é
o que ele chamou de “inconsciente coletivo”.
O homem primitivo tinha
preocupações, anseios e lidava com problemas de forma não muito diferente do
homem moderno. Por isso Jung concluiu que esses comportamentos são o esquema
básico da psique.
E justamente aí estaria um
motivo pelo qual os contos “sobrevivem” por tantos anos. Retratam o ser humano
na sua essência, em aspectos que não mudam. Jung (1986, p.22) cita como exemplo
a fantasia que a criança ou o adolescente tem de que não é filho de seus pais e
sim de alguém rico e importante. Essa fantasia tão presente na vida de qualquer
criança, repete aspectos de mitos e histórias bíblicas, como Rômulo e Remo,
Moisés, Semíramis. A fantasia do homem
moderno no fundo nada mais é que uma repetição de antigas crenças populares (JUNG, 1986, p.22).
Segundo suas idéias, o ser
humano tem dois tipos de inconsciente: o pessoal e o coletivo. O inconsciente
pessoal consiste de experiências que foram suprimidas, reprimidas, esquecidas,
ignoradas ou desenvolvidas durante a vida de um indivíduo.
Já o inconsciente coletivo
inclui materiais psíquicos que não provêm da experiência pessoal, é parte da
raça humana.
Essa idéia é contrária às
de Skinner, por exemplo, que defendia que todo desenvolvimento psicológico vem
da experiência pessoal. Portanto, o inconsciente coletivo é constituído não por
experiências pessoais e sim por experiências de toda raça humana ao longo de
sua evolução, ou seja, é um patrimônio coletivo da espécie humana. Assim, o
conteúdo do inconsciente coletivo é o mesmo em qualquer lugar e em qualquer
época, não varia de pessoa para pessoa, não pertence a ninguém.
Ele não é desenvolvido
individualmente. É um conjunto de sentimentos, pensamentos e lembranças
compartilhadas por toda a humanidade.
O inconsciente coletivo é
um reservatório de imagens latentes, chamadas de arquétipos ou imagens
primordiais, que cada pessoa herda de seus ancestrais.
A pessoa não se lembra das
imagens de forma consciente, porém, herda uma predisposição para reagir ao
mundo da forma que seus ancestrais faziam. Sendo assim, essa teoria estabelece
que o ser humano nasce com muitas predisposições para pensar, entender e agir
de certas formas. O inconsciente coletivo pode ser definido como um depósito de
traços de memória herdados do passado ancestral do homem.
Como já citamos, os
conteúdos do inconsciente coletivo são os “arquétipos” (estruturas psíquicas).
Os arquétipos são as formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou
canalizar o material psicológico. Ou seja, são “formas” sem conteúdos prévios.
Como exemplo, podemos citar o arquétipo de mãe. O homem sempre teve mãe, é
capaz de reconhecer e reagir a essa figura. Essa capacidade é herdada, é uma
potencialidade que o ser humano tem por conta das experiências dos seus
antepassados. No entanto, os arquétipos são como já dissemos, como formas sem
conteúdo, esse conteúdo dependerá das relações que o indivíduo estabelecer
durante sua vida.
Os arquétipos estão
presentes em temas mitológicos que reaparecem em contos de fadas e lendas
populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser
encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos.
Segundo Jung (1986), os
arquétipos, como elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem
tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.
A história de Édipo é um
exemplo de um arquétipo. É um motivo tanto mitológico quanto psicológico, uma
situação arquetípica que lida com o relacionamento do filho com seus pais.
As imagens dos arquétipos
podem variar em detalhes de povo para povo, de pessoa para pessoa, no entanto,
sem perder sua configuração original. Por exemplo, o arquétipo de mãe inclui
não somente a imagem real de mãe de cada indivíduo, mas também todas as figuras
de mãe, figuras nutridoras. O arquétipo materno inclui aspectos positivos e
negativos, como a mãe ameaçadora, dominadora e sufocadora. Na Idade Média, por
exemplo, este aspecto do arquétipo estava cristalizado na imagem da velha
bruxa.
Os arquétipos estão nos
mitos e contos de fadas, mas não são reconhecidos e entendidos conscientemente,
nem racionalmente. Isso porque não fazem parte do mundo da razão e sim do
inconsciente da humanidade.
De acordo com Jung (1986),
o inconsciente se expressa primariamente através de símbolos. Embora nenhum
símbolo concreto possa representar de forma plena um arquétipo, quanto mais um
símbolo se harmonizar com o material inconsciente organizado ao redor de um
arquétipo, mais ele evocará uma resposta intensa e emocionalmente carregada.
Além dos símbolos
encontrados em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há também símbolos
coletivos importantes.
O símbolo representa a
situação psíquica do indivíduo num dado momento. O símbolo pode ser algo
familiar, da vida diária. Uma palavra ou imagem é simbólica quando implica
alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato. Ou seja, o símbolo
tem um aspecto inconsciente mais amplo que não é nunca precisamente definido ou
plenamente explicado.
Os contos de fadas, mitos
e sonhos são carregados de símbolos, representações de acontecimentos
psíquicos. Mas, enquanto os sonhos apresentam-se sobrecarregados de fatores de
natureza pessoal, os contos de fadas encenam os dramas da alma com materiais
pertencentes em comum a todos os homens.
Nos sonhos também aparecem
símbolos que fazem parte do inconsciente coletivo. Esses símbolos são muito
antigos e desconhecidos (conscientemente) do homem.
Os contos de fadas têm
origem nas camadas profundas do inconsciente, comum à psique de todos os
humanos. Pertencem, portanto, ao mundo arquetípico. Por isto seus temas
reaparecem de maneira tão evidente e pura nos contos de países os mais
distantes, em épocas as mais diferentes, com um mínimo de variações.
Os contos atingem faixas
para além do consciente. O homem pressente que ali se espelham acontecimentos
em desdobramento no seu próprio e mais profundo íntimo. São essas ressonâncias
que fazem o eterno fascínio dos contos de fadas. Para Jung (1986), os contos de
fadas expressam a estrutura mais simples, ou o “esqueleto” da psique. Mitos e contos de fadas dão expressão a
processos inconscientes e sua narração provoca a revitalização desses
processos, reestabelecendo assim a conexão entre consciente e inconsciente.
Jung não considerava cada
personagem representante de um ser humano. Mas sim cada personagem um aspecto
da mesma pessoa, da mesma personalidade, porque
cada personalidade é múltipla (AMARILHA, 2001, p.70).
Para ele, os contos de
fadas surgiram a partir de relatos de sonhos de indivíduos em sociedades
primitivas. Esses sonhos, ao serem narrados, foram sendo ampliados ou
simplificados. Por isso defendia a importância dos contos tanto quanto dos
sonhos, pois seriam manifestações diferentes de um mesmo evento interior. Tanto
um quanto outro representam a expressão de eventos interiores, de conflitos
internos.
É claro que com o tempo,
ao serem transmitidos através de tantas gerações, os contos de fadas sofreram
muitas alterações, mas manteve sempre sua estrutura arquetípica básica. Assim, os contos de fadas são relatos simbólicos
de situações cruciais (AMARILHA,
2001, p.70).
Ainda segundo a psicologia
analítica, toda expressão do inconsciente (sonhos, contos) são contribuições e
explicações ao que falta ao consciente. As figuras e os acontecimentos
presentes ali representam fenômenos psicológicos arquetípicos e sugerem a necessidade de ganhar um estado
mais elevado de autoconfiança, uma
renovação interna (BETTELHEIM, 2000, p.47).
Na psicologia analítica,
há a idéia de “self” (si mesmo). Os self é o ponto central da personalidade em
torno do qual todos os outros sistemas se organizam. O self como totalidade
psíquica tem um aspecto consciente e um inconsciente. Aparece em sonhos, mitos
e contos, na figura de personalidades “superiores” como reis, heróis, profetas,
salvadores, etc. ou na figura de símbolos de totalidade como o círculo e o
quadrilátero.
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e pratica pedagógica. Petrópolis. Vozes, 2001.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
JUNG,CARL G. O. Eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1985.
Referências
Bibliográficas:
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e pratica pedagógica. Petrópolis. Vozes, 2001.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
JUNG,CARL G. O. Eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1985.
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