Uma aventura de Felícia, Joel e Piuí
(Zezinho Mutarelli e Gilles Eduar)
Tudo
estava indo de mal a pior. O vento forte havia afastado Felícia, Joel e Piuí
para longe da costa.
-
Felícia
- suspirou Joel, o jaburu - acho que estamos perdidos...
-
Coragem, Joel –
suplicou Piuí.
-
É... nunca vi tanta água assim
– lamentou Felícia.
Parecia
que a viagem de volta ao mundo que eles haviam planejado chegara ao fim.
-
Olhem ali!
– gritou Piuí – Uma ilha!!!
-
Ainda bem, estamos salvos – respondeu
Joel com alívio.
-
Que estranho –
disse Felícia – esta ilha não estava no mapa. Vamos até lá.
-
Assim que chegaram a praia, foram
avistados pelos guardas e levados até o rei.
Os
três amigos foram muito bem acolhidos pelo rei em pessoa.
-
Nunca recebemos visitas por aqui,
sejam muito bem-vindos à ilha Sem-Tom – disse ele.
No seu carro de ouro, todo orgulhoso, o rei mostrava
sua cidade com telhados de prata e paredes cravejadas de pedras preciosas.
-
Hoje a noite teremos uma grande festa em
homenagem a vocês – disse o rei.
Já havia muita gente
sentada quando Felícia e seus amigos entratram na grande sala do castelo.
Na hora ouviu-se um
burburinho generalizado, mas foi só. Todo mundo continuou sentadinho onde
estava.
Felícia, Joel e Piuí
foram acomodados em belas poltronas vermelhas.
Depois de uma hora de
chá de cadeira e salgadinhos, Piuí cochichou:
-
Que festa é essa onde todos ficam sentados e
quietos?
-
Pois é, mas veja quanto luxo, vestidos
lindos, jóias exuberantes – respondeu Joel.
-
Mas de que adianta tudo isso se não acontece
nada? – perguntou Felícia.
Derrepente, o rei e a
rainha levantaram-se solenemente e decretaram o fim do evento. O rei foi se
despedir de seus convidados de honra.
-
Gostaram da festa? Perguntou.
Os três amigos
acharam tudo estranho, mas muito educado, Joel respondeu:
-
Adoramos!!!
-
Que festa? Perguntou Piuí.
-
É – disse Felícia – nunca vi nada mais
chato, uma festa sem música. Aliás, já reparei que aqui na rádio desta ilha não
toca nada, só fica o locutor falando que a ilha está cada vez mais rica, que
todos estão cada vez mais ricos. Quer saber de uma coisa?! Eu acho isso tudo
uma pobreza!
O rei ficou nervoso e ofendido. A rainha achou isso
um insulto. Assim, mandaram prender os três.
-
Pronto! Que confusão – suspirou Joel.
-
É, tudo isso porque não tinha música na festa
– disse Piuí.
-
Você tem razão, Piuí. Um pouco de música não
faria mal ao coração desta família real – afirmou Felícia.
Felícia começou a cantar músicas, bem alto. Piuí
acompanhou. Com um pedaço de pau batia nas grades de ouro da cadeia. Joel,
sentadinho, apenas suspirava.
Logo chegou a família real inteira.
-
Que barulheira é essa?!
-
Música, seu rei – respondeu Felícia.
-
Pra quê? – perguntou ele irritado.
-
Pra ser feliz.
E Felícia, de novo, começou a cantar. Cantou:
‘atirei o pau no gato’, cai, cai balão’, ‘o cravo brigou com a rosa’ e
outras... O rei, fazendo uma cara de quem não entendia, murmurou:
-
Hum... músicas... mas são todas iguais assim?
Perguntou.
-
Mais ou menos majestade – disse Joel
aproximando-se da grade. Com uma voz apenas e um pau em grade de cadeia é
tudo que conseguimos fazer, mas essas músicas são pequenos tesouros...
-
Ora, eu sei o que é tesouro, essas músicas
não se parecem nada com isso – resmungou o rei.
-
Bem, seu rei – disse Felícia – cada
música que cantei aqui, acompanhada de instrumentos musicais e com ritmos
diferentes, faria Vossa Majestade dançar e traria muito mais alegria para as
festas da ilha.
-
Como? Arrrgh! Disse o rei bastante
nervoso.
-
Deixe-me explicar. Excelentíssima Majestade –
disse Joel, afastando Felícia e Piuí das grades com sua grande asa. O que
Felícia quis dizer é que o ritmo e a harmonia são os fundamentos da música.
Cada povo espalhado pela terra tem sua tradição musical. Seus instrumentos
variados enriquecem essa tradição conferindo a cada música uma sonoridade
diferente, especial, muito rica.
-
Muito rica?! – interrompeu a rainha.
-
Sim, como cada pedra que, com sua cor e seu
brilho particular, traz ao seu colar, ó majestosa rainha, sua beleza única. Argumentou
Joel.
-
Que ousadia, comparar as nossas jóias tão
belas com músicas! Esbravejou a rainha.
-
E querer, com essas melodias, me fazer sorrir
ou mesmo dançar... é demais! Acrescentou o rei. Adeus!
-
Papai! Quero o macaquinho na minha gaiola de
platina. Disse finalizando a princezinha.
-
Puxa, que fria! Suspirou Felícia.
-
É, e levaram o Piuí. Acho que vou chorar...
-
Não, Joel, pare por favor! Implorou
Felícia. Pássaro não chora, pássaro voa e o rei se esqueceu disso. Nós vamos
é fugir pela janela da prisão.
-
Mas e o Piuí? Perguntou Joel.
-
Não vamos abandona-lo. Voltamos, Joel.
Voltaremos e mostraremos a todos desta ilha que as músicas que cantei têm um
poder que eles não podem imaginar. Começaremos visitando nossos amigos de New
Orleans. O blues é a alma da música.
-
É minha alma também! Soluçou Joel.
-
Coragem – disse Felícia. Esta é a única
maneira de salvarmos Piuí.
Assim os dois amigos voaram pela janela em busca de
ritmos musicais do mundo inteiro.
Depois de dois dias, Felícia e Joel encontraramseus
amigos descendo o rio Mississipi, no sul dos estados unidos. Lá ensaiam ‘Atirei
o Pau no Gato’ em ritmo de blues. (Luiz Melodia)
No interior do Brasil todo mundo conhece ‘Sapo
Jururu’. Felícia e Joel permanecem quietos. O som da viola em ritmo sertanejo
acompanha o cair da tarde. (Pena Branca e Xavantinho)
A banda de jazz atravassa as ruas de
NY. Felícia e Joel aproveitam a carona para ensaiar ‘Cai, Cai Balão’
num charmoso swingado de metais. (Banda Mantiqueira)
O pessoal da bossa nova resolveu
viajar de avião para tocar seu violão. Rio de Janeiro é uma bela cidade, ‘Capelinha
de Melão’ uma bela canção. (Carlos Lyra)
Descendo os morros do Brasil, a triste música. ‘O
Cravo e a Rosa’ torna-se feliz ao ritmo do samba. Felícia
e Joel dançam ao som do cavaquinho, cuíca e tamborim. (Negritude Junior)
No sertão do nordeste brasileiro, os amigos de
felícia e Joel tocam ‘Sabiá lá na Gaiola’. Que forró!
(Oswaldinho do Arcodeon)
Em frente a uma discoteca, nos EUA, o pessoal se
diverte dançando ‘O Sapo não Lava o Pé’ em ritmo de funk.
(Sandra de Sá)
Na Inglaterra, com suas guitarras magnéticas, os
amigos de Felícia e Joel tomam conta de Londres cantando o rock ‘Fui no
Tororó’ (Ira)
No sul da África, os animais entram em harmonia com
a música ‘Pai Francisco’ em ritmo afro. (Skowa)
Viajando de caravana com os ciganos no sul da
Espanha, transformam ‘Ciranda, Cirandinha’ em flamenco,
ao som das palmas e castanholas. (Fernando de La Rua)
Na Itália, Felícia e Joel se divertem no palco da
cantora lírica. Acompanhada por violinos, violas e violoncelos a música ‘Peixe
Vivo’ vira ópera, vejam só! (Rosana Lamosa e Fernando
Portinari)
Na Jamaica, o repicar dos timbales anunciam o
balanço do reggae. Que turma bacana essa! Ensaiando ‘Boi da
Cara Preta’. Suas bicicletaas parecem dançar. (Tribo de Jah)
Felíca e Joel cantam ‘Se essa Rua Fosse Minha’
com seus amigos cubanos. Num velho chevrolet, trompetes alegram Havana em ritmo
de salsa. (Havana Brasil)
Atravessar o mercado árabe é uma festa em ritmo dundar!
A música ‘Pirulito que Bate-Bate’ contagia todo mundo. (André
Abujamra)
Subindo e descendo as ladeiras de Lisboa em Portugal
o bonde balança sobre os trilhos. Ao ritmo festeiro do vira ensaia
‘Escravos de Jó’. (Roberto Leal)
Na Argentina, na balsa que os levará de volta à
ilha, Joel e Felícia ensaiam com seus amigos ‘Marcha Soldado’ em
ritmo de tango. (Pocho)
Vinte e oito dias após a fuga, chegava à ilha a
balsa onde Joel e Felícia conseguiram reunir todos os seus amigos músicos.
Todos da ilha acompanharam pelas ruas da cidade o
alegre desfile. Na praça principal improvissou-se um megashow inesquecível. Uma
grande festa de verdade.
Entre beijos, choros e abraços, Felícia e Joel
comemoraram o reencontro com Piuí. Foi quando chegou a família real, descalça e
molhadinha de tanto dançar...
-
Que coisa mágica, – disse o rei – muito
obrigado. A ilha era rica, mas vocês trouxeram a felicidade.
-
Olhe, deste momento lindo conseguimos gravar
um disco – disse a princesa.
-
Como poderemos nos desculpar? Perguntou a
rainha.
-
Como? Disse Felícia. Ponha o disco
para tocar e vamos todos juntos de novo dançar!
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